Desejo torrencial
Paixão emergente
Alegria jovial
Amor iminente.
Oh, grande filtro azul,
Feitiço mágico da natureza
Novamente iludindo
Pobres almas solitárias.
Um olhar desviado
Seguido do silêncio gritante
É o retrato desbotado
Do rompimento desconcertante.
O tão temido prazo de validade
Existe para tudo no mundo,
E até para o próprio mundo.
Resistir? Que inútil infantilidade!
Então o encanto acabou
Outra ilusão terminou
E a solidão, essa peste bubônica,
Sorri mais uma vez irônica.
No derradeiro encontro
O abraço desconsolável,
O beijo vulnerável,
E o choro incontrolável
Evidenciam o término inevitável.
A esperança, sorrateira
mostrará um norte
Que na verdade
é apenas a melhora da morte:
O agora moribundo feitiço
dá seu último suspiro.
Suspiros Poéticos
Esperando na fila da mercearia
A atrapalhada velhinha fala com toda calmaria
Enquanto aguardo resignado atendimento
Uma impaciente caixa suspira sem comedimento.
Ao ouvir que peço três carteiras de Marlboro
A mulher senil, admirada,
me pergunta se tenho pressa
me pergunta se tenho pressa
No que respondo que tudo está bem,
sua lerdeza não me aflige
sua lerdeza não me aflige
Mas ela tão preocupada a palavra me dirige:
“Pressa em morrer, um jovem assim tão belo!”
Lembro à confusa senhora que são suspiros poéticos
Em estado de poesia,
Bem viveu por 88 anos o mestre Quintana;
Bem viveu por 88 anos o mestre Quintana;
Mas ela não compreende
e me diz com um olhar bizarro:
e me diz com um olhar bizarro:
“Já fumei muito, hoje estou surda por conta do cigarro!”
Não conseguindo estabelecer a relação
entre uma coisa e outra
entre uma coisa e outra
Julgo que é próprio da velhice
tamanha confusão mental
tamanha confusão mental
Assim como nas crianças
no alvorecer existencial
no alvorecer existencial
E são somente os cretinos
que vivem cheios de certeza superficial.
que vivem cheios de certeza superficial.
Por um breve momento,
Volto 50 anos no tempo
Volto 50 anos no tempo
Imaginando a conselheira anciã em sua juventude
Sedenta de prazer,
uma ninfeta querendo o mundo explorar
uma ninfeta querendo o mundo explorar
Assim sucumbindo ao desejo
fumando após muito trepar.
fumando após muito trepar.
Talvez pelo passado errante,
Chegou à velhice um tanto quanto delirante
E hoje num estado tal de confusão mental
Incapaz de aceitar a finitude da vida,
A desconhecidos fala tamanho impropério
Quando está com um pé no cemitério.
Encerrando o assunto existencial mortal
O sábio conselho agradeço à velhinha
Porém lhe informo que, na verdade
O cigarro é para a minha vovozinha
Que apesar da confusão tão latente
Não se permite levar uma vida decadente.
João, o Louco
Às vésperas de completar cem anos
Dez décadas, um século, um feito!
O louco João só desejava um presente:
"Uma noite no bordel bebendo caninha
Para morrer feliz nos braços de uma ninfetinha"
Falava assim o velho safado tarado.
Conhecido no interior como João, o Louco
Enterrou mulher, irmãos e até os três filhos.
O louco João, quase demente, sobrevivia como podia:
"Deus, este filho da puta, me esqueceu aqui
Um calhambeque detonado que não dá mais a partida"
Reclamava assim o velho tarado tresloucado.
Uma vaquinha fez a família para Lourdes, a enfermeira
Cuido, lavo e até cozinho.
Mas Lourdes, histérica, não pôde ficar:
"O velho abusado blasfemou e me desrespeitou,
E com o pepino da feira quase me penetrou!"
Desabafava assim a mulher católica carola.
A família, excitada com o centenário, fez um festão
Comer, beber e muito fotografar.
Mas o louco João, sentindo-se num zoológico, aprontava:
"Já posei mais que o papa para esta gente abostada,
Agora estou trocando foto sorridente por um boquete ardente"
Debochava assim o velho tresloucado safado.
Numa noite chuvosa de inverno,
finalmente o louco João expirou
finalmente o louco João expirou
Morri, parti, desapareci!
Mas com sua peculiar epígrafe,
a família horrorizada assim ficou:
a família horrorizada assim ficou:
"Vivi mais de um século só para no inferno chegar
E as bocetas das diabinhas experimentar."
Guria de Uruguaiana
Ela ainda estava perdida na capital
Desde que chegou saltitante da fronteira,
A jovem morena de 27 deixou a terra natal
Buscando novas aventuras de mulher solteira.
Convidei-a para conhecer a cidade
E assim fomos beber vinho no meu sofá;
Eliane usava um vestido curtinho safadinho
Deixando à mostra as belas pernas negras.
A bebida do deus Dionísio aguçou o olfato
Senti o cheiro do seu sexo latejando de vontade
Os lábios carnudos beijei de imediato
Seu vestido arranquei para foder com total liberdade.
No meio da trepada, um pedido incomum:
Eliane deseja ser estrangulada!
E, assim, fiz a vontade da moça
Apertando seu pescoço com força.
Sentia-me um animal predador,
Dominando sua presa por completo
Numa prática sexual pouco usual;
Mas a morena, não satisfeita
Com o sotaque típico da fronteira, gritava:
"mais forte, mais forte!"
Tive receio de machucá-la ou até matá-la
E pensei por instantes nas consequências:
"O que faria? Ou diria?"
"E como me comportaria?"
Porém apenas escutava sua voz, que implorava:
"mais forte, mais forte!"
Eliane é um tipo perigoso de mulher
Que não se satisfaz jamais, viciada em sexo;
Contou-me com aflição que sofre com tal situação
E inclusive está tomando medicação
Que o médico receitou-lhe para diminuir a fornicação.
Nos encontramos mais algumas vezes
E ela parecia sentir especial atração
Por seu primeiro caso capital;
Mas fiz questão de avisar
Que comigo não contaria mais para lhe enforcar!
A morena se apaixonou
E às vezes até me confundia com outro sujeito
Nos bares de um porto já não tão alegre:
Por certo uma solução do caso se fazia necessária.
Como a natureza de tudo que vive é perecer
Deixei a guria de Uruguaiana,
Que estava um tanto quanto sentimental,
Aventurar-se em outras fronteiras da capital.
O Absurdo
Hoje enquanto olhava o céu estrelado
Fumando um cigarro velado
Percebi que a vida e tudo que há
Não tem sentido algum:
Vagamos do nada para lugar nenhum.
Inicialmente senti um arrepio
Medo e até náusea
Ao compreender que tudo que os homens acreditam:
Estado, religião, ciência e até mesmo os deuses
Só existem, na realidade, no seu próprio imaginário.
Posso morrer hoje, amanhã ou logo depois
Assim desaparecendo regressando ao nada;
Em cinqüenta anos minha breve existência
Será um ramo numa árvore genealógica
Ou um número de documento arquivado
Ou talvez nem isso.
Na mais silenciosa das noites,
Quantas verdades pode um espírito suportar?
Trata-se de um acaso inexplicável
Diante da perplexidade incomensurável
E sinto uma liberdade insuportável
Pela primeira vez em minha vida tão miserável.
À deriva no barco existencial
Um náufrago solitário dança nu zombando dos deuses;
Assim o absurdo revela sua face transcendental
Enquanto no céu outrora estrelado despenca a chuva torrencial.
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