Silêncio da Noite

No silêncio da noite
Escuto o grito
Que rompe a escuridão
Um grito de horror.

Talvez um bêbado,
Suicida ou celerado
Inconformado,
Revoltado,
Desesperado
Um grito inumano.

Já não posso dormir
Me resta levantar
E pela casa escura vagar
Um cigarro fumar
Esperando a calmaria retornar.

É a profunda melancolia
Da batalha perdida
De ter consciência
De estar vivo
Sufocando o coração.

Já não posso chorar
Me resta esquecer
E pela casa escura fingir
Um cigarro apagar
Esperando a vida renascer.

É o profundo fingimento 
Da consciência perdida
De ter melancolia
De estar em batalha
Sufocando o coração.

Este silêncio brutal
Que incomoda, 
Que dói,
Que grita
Sozinho na noite sombria.

A fumaça que se espalha
E logo desaparece
É o piscar de olhos
De estar vivo
De ter melancolia
Da eterna batalha
No meu coração.

A noite sombria 
é interrompida
Pelo raio de sol
Que rompe a escuridão
Anunciando a aurora.

Despertar do novo dia
Da batalha perdida
De estar vivo
Eterna melancolia
Sufocando o coração
No silêncio da noite.

Monstro do Subterrâneo

Lá no fundo,
Bem no fundo
Nas profundezas da mente 
Do homem civilizado
Há um monstro sombrio
Querendo emergir.

Boçal,
Celerado,
Tirânico.
Obedece somente sua própria vontade
Selvagem em sua promiscuidade.

Eu o deixo quieto
A maior parte do tempo
Mas, às vezes, em noites prementes
O monstro emerge 
Gritando bestialmente.

Convenções sociais,
Morais, éticas
E especialmente a senhora razão
São obstáculos à sua satisfação.

Não é belo, nem sublime
Sente atração inata
Por desordem e caos.
É a podridão irracional
Do ser humano.

Um cavalo acuado relinchando,
Eis seu estado natural.
É capaz das maiores atrocidades: 
Assassinar desafetos,
Trucidar inimigos,
Violar jovens beldades,
Destruir civilizações.

Então preciso entrar num acordo
Acalmá-lo com pequenas maldades
Lembrando-o do castigo exemplar
E que a liberdade jamais é plena
Trata-se de uma anedota secular.

Finalmente a manhã chega 
Trazendo pão, conforto e paz
O monstro, assim, aquieta-se novamente
Esperando uma nova oportunidade
De emergir sedento do subterrâneo.

Lovely Rita

Rita tem trinta e poucos
Alemoa de belas ancas
É uma entediada professora 
Que adora ler distopias.

Ela logo quis me encontrar
Após duas horas de conversa febril
E na Feira do Livro aletrar
Num novembro primaveril.

Mas o encontro ocorreu
Numa praça, no dia seguinte
À luz solar, clima familiar
Um beijo tímido sem requinte.

Alguns dias depois 
A fatal intimação
E mandei Rita se produzir
Finalmente o fim da estiagem:
Salto alto, vestido preto e maquiagem.

Ao recebê-la, plena excitação
No olhar, o desejo estonteante
Uma fêmea implorando submissão
Deixar de lado sua vida entediante.

Trepamos whisky
Bebemos violência
Fodemos decência
Oh lovely Rita,
Objeto do meu desejo.

Mas o instinto policial
Fez Rita perder a sanidade
E quando logo descobriu
Que não havia exclusividade
Me mandou a puta que pariu!

Então a utopia terminou
A neurose aflorou
E nem o blues do hoochie coochie man
foi capaz de dar alento
Ao nosso neurótico relacionamento.

O Fingidor

O homem é sobretudo um animal que finge
Finge que acredita na justiça,
Na fraternidade
E até na igualdade.

Finge que é imortal
Assim se achando o tal
Finge que há sentido em tudo
Ignorando que não há sentido em nada.

Finge que é civilizado
Finge que com o outro se importa
Finge que faz amor altruísta
Mas no fundo é só sexo egoísta.

Finge orgasmos
Desconhece sarcasmos
Finge que é o escolhido dos deuses
E acredita que este é o melhor dos mundos.

Finge tanto que se esquece
Que é um fingidor nato
Até quando finge propositalmente
Sabe que é um fingido estelionato.

Finge que é amor para sempre
Finge que tudo vai dar certo
Finge que é feliz o tempo todo
Finge que é especial
Mas no fundo é tão somente um boçal.

Quando alguém, um louco talvez
No auge do atrevimento
Dando razão à realidade
Fala a mais singela verdade
O fingidor, então, vomita toda sua boçalidade.

O Tempo

O calor escaldante me faz o frio desejar
Quando o inverno congelante está presente
Anseio novamente o verão começar
E a única constante é a insatisfação permanente.

O homem, esse pretensioso animal pensante,
No tempo da natureza está sempre desalinhado
Em sua ilusão de controle incessante
Do tempo reclama sem nem ficar envergonhado.

Às vezes sinto o tempo passar voando
Quando vejo lá se foi a semana
O mês, o ano... dez anos!
E sempre comigo mesmo
A sensação permanente
De no tempo jamais conseguir me encontrar.

Quando sinto a ausência da tua presença
Isso me faz desejar
Reviver o tempo que perdi
Ocupado demais em do tempo reclamar.

Estar no Mundo

Às vezes na vida Tudo que você precisa São versos Ou notas musicais Que te levam Ao esquecimento Do sentimento De não mais poder ser. Às ve...